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terça-feira, 18 de novembro de 2025

🌒 O Dia em que Ficamos na Terra

Às vezes, os sonhos parecem mais reais do que o dia que nos espera quando acordamos. Alguns são tão vívidos, tão cheios de simbolismos, que acordo com o coração apertado, como se tivesse vivido uma vida inteira enquanto dormia. 

Nessa última noite sonhei com o fim do mundo. 

Acordei dentro de uma casa que parecia a que morei no Brasil antes de vir para Portugal. 

O mundo tinha mudado. A maioria das pessoas havia simplesmente desaparecido, e os poucos que restaram pareciam viver entre a culpa e o espanto.

Meus pais estavam lá, melancólicos, com um olhar perdido sentados no sofá. Ninguém sabia o que realmente tinha acontecido, mas havia um silêncio espiritual pairando no ar, como se algo divino tivesse escolhido quem ficaria na Terra, e por quê.

Enquanto eu fazia comida e tentava acalmar meus pais, soube que haveria um culto da minha antiga igreja. Era como uma esperança, uma promessa de que talvez lá eu encontrasse respostas ou, no mínimo, conforto.

No caminho, passei diante de uma pequena formatura. Eram só dez pessoas, mas havia uma emoção viva, quase sagrada, no ar. As pessoas batiam palmas umas para as outras, como se estivessem tentando substituir todos os familiares e amigos que não estavam mais ali. Fiquei parada um tempo, observando. Era bonito. Triste, mas bonito.

De repente, o sonho mudou.

Estávamos na praia. O sol se punha entre nuvens densas e o ar cheirava a sal e dúvidas. Havia quiosques e uma nave gigantesca, parecida com um dirigível, que levaria os sobreviventes para outro planeta, já que aparentemente, a Terra estava morrendo.

Alguns estavam prontos pra ir. Outros, não.

Muitos se recusavam a embarcar, dizendo que a Terra não acabaria, que era tudo conspiração, enquanto outros diziam que não queriam deixar o lugar onde nasceram. Era um dilema humano e teimoso: ficar naquilo que se conhece, mesmo que tudo esteja ruindo.

O novo planeta se chamava Urso Polar. Lá, o ar era diferente — leve, quase doce — e as pessoas que antes hesitavam agora começavam a chegar. Vi meus parentes, amigos, rostos conhecidos. A alegria era silenciosa, como um reencontro depois de uma longa dor. As vezes, esperava algumas pessoas chegarem, mas que não apareciam.

Em algum momento, voltei à Terra.

Eu estava no quintal do prédio onde cresci, recolhendo coisas de uma cômoda antiga. Uma criança me observava de longe. 

Depois voltei à praia, onde os quiosques ainda estavam de pé, e tentei convencer mais gente a embarcar, como a Mónica, minha amiga do trabalho, que descia as escadas com expressão indecisa.

O sonho terminou ali, tão abruptamente como começou, e eu fiquei refletindo acordada, com a sensação de que, mesmo nos sonhos, o fim nunca é exatamente o fim.


6 comentários:

  1. Têm sonhos que carregam mundos inteiros, né? E você descreveu o seu como quem segura algo muito frágil nas mãos. A mistura de perda, esperança e reencontro deixou o texto com uma beleza melancólica que fica ecoando na gente. Obrigada por abrir essa porta e permitir que a gente visite esse lugar também!

    Luz e carinho! ❤️

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    1. Acho que esses sonhos carregam mesmo uma melancolia, mesmo sem serem exatamente tristes.

      Obrigada pelo comentário profundo, meu bem ♡

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  2. eu também tenho sonhos muito estranhos e vívidos. passei a transformá-los em histórias, sempre guardo ou crio a ideia de uma nova história quando o sonho é hiper realista. ler o seu relato de sonho me fez parecer que eu estava lendo o prólogo de uma história.

    <3

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    1. Ahhh eu queria muito fazer isso, mas parece que o tempo que tenho não dá pra fazer tudo que queria :(

      Mas vou guardar a sugestão e tentar, quem sabe eu posto aqui ♡

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  3. adorei o sonho. Sonho com certa frequência com fins de mundo ou situações quase-apocalípticas

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    1. Que legal saber que tem mais gente que tem isso com tanta frequência, se quiser compartilhar algum adoraria ler ♡

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